A terceira peça das 20h do Fenata conta ao público a história do menino Zezé, um menino que silenciou o passarinho que cantava dentro de si, para ouvir a razão
      No palco, sete jarros de barro, 11 camisetas coloridas penduradas num varal, seis banquetas e uma banheirinha infantil estavam dispersas em torno de um picadeiro. Na plateia, os atores aguardavam ansiosos para recepcionar o público que chegava para o espetáculo. Conversaram com os espectadores, perguntaram sobre a vida, emprego, infância…
      Todas as luzes se apagaram. O único responsável pelos sons da peça simula um trem. Os seis atores do grupo paulista ‘Di Atus’ rumam ao palco para dar início à produção ‘O Broto’, escrita e dirigida por Otávio Delaneza. A história é uma adaptação do livro ‘Meu pé de laranja lima’, de José Mauro Vasconcelos.
      No enredo que ganhou vida no palco do Fenata, na noite do dia 07 de novembro, algumas características da obra original, que conta a história do menino Zezé, foram super-exploradas, no que pareceu uma forma de expor o conteúdo pretendido da forma mais próxima à realidade, possível, mesmo correndo o risco de pecar pelo abuso ao sentimentalismo do público.
        Os atores não tinham papéis definidos, conforme a alternância das cenas, vestiam as camisetas coloridas que compunham o cenário e assumiam papéis diversos dentro da peça. Neste modelo, atores diferentes interpretaram um mesmo papel durante o desfecho, por vezes, confundindo o público quanto a quem era quem e gerando murmúrios de que determinado ator interpretava o mesmo papel melhor do que outro.
      N’O Broto’, durante toda a história, o que parece ser a consciência de Zezé, conversa com o público e desabafa as incompreensões do menino. Desde o nascimento, quando ele não entende a razão de ser retirado de sua casinha, no ventre da mãe, e separado tão brutalmente do seu ‘cordãozinho’ – como chama o cordão umbilical – até o crescimento sofrido, regado a surras e pobreza junto à família.
       Zezé queria ter nome de rei, mas os pais lhe deram José, que ele define por “nome de carpinteiro”. Cresceu ouvindo da família que “tinha o diabo no corpo”, acreditava que em todo natal, menino Jesus não nascia para ele. Quem vinha era o menino Diabo, que o estimulava à malcriação e era fonte das surras abusivas que recebia do pai. As surras… somente o que o menino ganhava do pai, já que por este ser desempregado não tinha condições de dar presentes de natal aos filhos.
       O cenário era simples, mas cumpriu com eficiência a proposta de mostrar e ilustrar aquilo que ganhava vida na atuação dos profissionais em cena. As músicas que mesclavam as falas e eram cantadas pelos próprios atores foram, sem dúvidas, a melhor parte da peça, uma vez que além de falar o que deveria falar, entretinha, tornava leve e mantinha a atenção do público fixa no palco.
      Exemplo disto é a cena em que a família de Zezé muda de casa, e todos simulam uma viagem de trem, com sons improvisados e música. E, a propósito, chegando à casa nova é que Zezé conhece um pé de laranja lima, a árvore que chamou de sua. Ficaram amigos, conversavam… O primeiro amigo que compreendia, de fato, o menino. Zezé o batizou de ‘Mindinho’.
      E foi a Mindinho que ele confessou um dos maiores dilemas de sua infância. O que parece ser o ponto principal do espetáculo. “Quando eu nasci tinha um passarinho que cantava dentro de mim. Com o tempo, chega a idade da razão. Onde o passarinho não vai mais cantar, só o pensamento viera”.
      Além do pé de laranja lima, Zezé tinha outro amigo. O homem mais rico da cidade o virá apanhando dos colegas de escola, um dia, e ajudou-o. Desde então, os dois ficaram muito próximos e Zezé encontrou neste senhor o amor paterno que nunca recebeu em casa. Mais uma vez, numa demonstração da inocência infantil, o menino diz ao amigo: “pede pro meu pai de doar para o senhor. Se ele não quiser, me compra dele”.
       Em determinado momento da peça, o trem passa por cima do amigo e o pé de laranja lima é cortado. “A dor não é desmaiar de tanto apanhar. A dor maltrata o coração e temos que morrer sem contar”. Colocações como esta, que permearam todo o espetáculo, trouxeram muita verdade e poesia à peça, sem dúvidas, enriquecendo estrondosamente o enredo.
       A conclusão da história de Zezé? Impossível saber. O menino ambicioso e cheio de sonhos, que queria se tornar poeta, pode ter conquistado o objetivo. Ou as desventuras da vida e traumas que encharcam de sangue sua infância podem tê-lo desestruturado para sempre… Afinal, Zezé é só mais um broto solto no espaço à procura de sua semente.
     No fim da peça, os atores fazem relatos das histórias que ouviram do público no começo. Comentam a infância de cada um e, a partir disto, lembram a todos que “o broto que nasce não é o mesmo que termina” e convidam à reflexão individual sobre o ‘broto que éramos e o broto que nos tornamos’.
     A proposta de motivar a reflexão sobre o antes e o agora, e com isto estimular o público a pensar sobre a própria história e a forma como foi escrita, foi cumprida com excelência e rendeu ao grupo ‘Di Atus’ a ovação em pé daqueles que abriram os corações para a história de Zezé.
Crys Kühl